26 de jun. de 2013

02 de fevereiro

Sua vida antes da barba foi a expectativa pela chegada dela. Há quem acredite que nasceu já com barba, já ensinando, nascido em sala de aula. É uma versão um pouco exagerada, mas merece ser ao menos mencionada. Quando eu era criança, o maior defeito de meu pai era não saber jogar bola. Era um legítimo perna-de-pau, indiscutível. Meu pai é de uma marca de gente parcelada. A gente vai pagando, aos poucos. A medida que o pagamento vai sendo efetuado, vamos nos apropriando do bem adquirido, do sentimento, às vezes tão sofrido. Descobri que sou forte nos outros, e frágil em mim mesmo. Todas as vezes que tentei ir embora, não consegui. Não é possível ir embora de meu pai a pé. A primeira vez que me fez chorar, fotografou. Dizia da beleza do meu choro, quando menino. Chorei outras tantas vezes por ele. Por incompreensão. Por mágoa. Por desvios. Hoje, choro de saudade. No dia líquido de Yemanjá, tenho a garoa paulistana e as palavras, sim, esse milagre que ainda me faz menos vira-lata, para entender que amor é isso também. Já colocou a mão na cara da polícia, foi líder vermelho em país verde-amarelo, teve um filho, três ou quatro grandes sonhos e cinquenta e um projetos. Meu pai ainda não descobriu que eu o re-inventei. Passou boa parte da nossa vida longe, tive tempo de desenheá-lo com barbas de várias cores e escrevê-lo com canetas variadas. Não irei me prolongar. Tenho exercitado os passos curtos. Essa pequena carta começou a ser escrita em um 23 de janeiro do ínicio da decáda de 80. E isso aqui é apenas um ponto de continuação. Meu pai foi a herança que meu avô me deixou. É a parte de mim mais resistente ao mundo.

Escrito em 02 de fevereiro de 2005.