1 de nov. de 2012

Eu gosto de ouvir seu discurso firme. Mesmo sabendo de toda incerteza necessária para que cada saliva sobreviva no teu argumento.

6 de ago. de 2012

Nacionalidade

Minha nacionalidade é a palavra "Vamos" saída de sua boca. Quando você diz, me sinto ouvindo o hino, com medalha no peito, nessas olimpíadas cheias de descaminho. Do Deus caminho.

18 de jul. de 2012

Me busque

- Me busque mais tarde.

Ela falou assim, com uma certa tranquilidade, como quem poderia a qualquer momento complementar com um "e não esquece de me trazer aquele chocolate que eu amo". Então sorriu, esse sorriso semente de novos mundos. E foi o último. O resto da minha vida agora chama-se mais tarde.

1 de jul. de 2012

Clube imaginário

Eu compreendo todos os homens que te amaram. Aqueles que sofreram, aqueles que te beijaram e aqueles que morreriam por um beijo teu. Transtornados, desculpo aqueles que te fizeram mal, consumidos por esse amor que você desperta. Fracassados, sinto a dor daqueles que moveram mundos para te conquistar e não conseguiram. Não invejo aqueles que te fizeram feliz, souberam navegar seus mares, sobreviveram em sua memória, te trouxeram até aqui. Não me sinto melhor, nem tenho soberba por estar no tempo presente, isso seria uma ilusão. Me sinto parte, próximo, mais um homem dentro desse grupo, de homens que ousaram te amar. Já pensei em promover encontros mensais, trocarmos confidências, cartas de amor, músicas, tragar um whisky cúmplice, reunir tudo que já foi feito em prol da experiência surpreendente que é te amar. Desisti não por achar defeito na ideia, mas percebi que o lugar desses encontros é o espaço do imaginário, e lá, eles já existem há muito tempo, antes de mim, e continuarão existindo depois. Nos encontramos na imaginação, trocamos detalhes, pequenas dicas, confidências, na imaginação somos sempre melhores, menos ásperos, mais compreensivos com nossa própria condição: de homens, que já te amaram. De fato, não existe esse verbo no passado. Dos homens que te amam. E assim seguem, sempre. Alguns aprenderam a assobiar, outros tiveram filhos, publicaram livros, encontraram outras mulheres e decoraram novas possibilidades sem você. Mas o clube, nossos encontros imaginários, o sentimento em comum, permanece, intacto, nos dá força, nos une em nossas individualidades pequenas. Tropeços daqueles que se acovardaram. Porque só é possível te amar sabendo-se parte desse grupo, como mutantes, sem o heroísmo dos X-Men, buscando sobreviver em seu sentimento, em sua memória. Não somos melhores, nem mais generosos, apenas descobrimos ainda em tempo, as regras desse jogo inexistente. Só compreendendo os homens que já passaram pela sua vida, consigo ser mais um. Mais um. E isso não retira meu desejo maior, de que esse clube se encerre com os sócios existentes.

30 de jun. de 2012

Personagem e Morte

Para se contar uma história que sobreviva as intenções e a mesquinhez do seu autor, é preciso manter viva e inabalável a possibilidade de matar seus personagens, todos eles, a qualquer momento.
Mesmo que ninguém morra na história, essa possibilidade precisa estar livre, solta, espontânea, disponível a cada novo páragrafo. Um personagem nasce com a mesma ambição dos leitores: salvar sua história da mediocridade. Se o teu personagem nunca padece da possibilidade da morte, ele jamais conquistará qualquer relevância na vida. Nós, que sempre nos vemos como autores, mas em grande parte, somos apenas personagens de nossas próprias histórias.

26 de mai. de 2012

Muitos jeitos

Eu tenho esse problema na cabeça, sabe. Tenho uma memória rala, uma alma que não retém nem poeira. Eu não lembro mais todas as coisas que eu falei pra ela naquele dia. Mas não importa. Ela é essa pessoa que vai embora da sua vida e você nunca vai poder dizer que sua vida ficou melhor sem ela. Nunca. Ela passa pra te mostrar como toda essa maluquice pode ser fantástica, e você finalmente entende porque chamam isso de vida. Depois, ela vai embora e você nunca mais vai sentir o mesmo gosto. Acho que ela acabou levando algo de mim que era vital para sentir aquilo tudo. Existem muitos jeitos de viver a vida. E, não se engane, também existem muitos jeitos de morrer a vida. A morte é só o mais conhecido.

6 de mai. de 2012

Joelmir

Joelmir trabalhava num estacionamento para jegues em Jequié. Todas as manhãs, os jegues chegavam e deixavam seus homens ali, estacionados, e partiam para a labuta cansativa do dia-a-dia. Enquanto os jegues trabalhavam, seus homens recebiam um polimento nas dobraduras dos desesperos. Joelmir tinha cócegas anônimas dentro do seu rosto sem feição. Com um graveto, rabiscava no chão coisas que não se pareciam com nada. Cada coisa estranha que Joelmir rabiscava no chão, era casada com alguma coisa que existia no mundo, e que os homens ali sentados conheciam. Os homens foram testemunha do batizado, nascia ali palavras. Uma magia silenciava perguntas sobre a utilidade daquilo. Ele inventou esses atrevimentos. O filho de Joelmir sobrevoava suspiros em cima da chancela. Dizia-se que tinha os dias contados. E sua sina era ser porteiro do estacionamento. Ninguém nunca chamou o filho de Joelmir. Era um menino sem chamamentos. Se tinha um nome, entrou em desuso. Apenas ele mesmo se chamava, por dentro: Jorrim, venha cá, e ele ia pra dentro de si. Ele passava todos os dias invertido aos rabiscos no chão, invertido ao céu. Invertido é uma pessoa que ficou divertido só pra dentro. E por fora, ninguém sabia. O filho de Joelmir tinha um umbigo bem na cabeça do pinto das idéias. Ninguém nem achava de coitado ele porque em Jequié ninguém é coitado. Porque coitado é uma coisa úmida. Em Jequié o que não é seco, já é outra cidade. Ele mijou uma idéia no chão. Ninguém entendeu. Até o mijo tinha carência de lágrima. Tinha sido a primeira vez que ali no chão tinha um rabisco, ainda que de mijo, que não namorava com nenhuma coisa do mundo. 
Ninguém nunca viu essa tal de idéia. Joelmir disse que todas as coisas que não dá pra enxergar precisa inventar palavra para marcar sua existência. Os homens ficaram perplexos. Os jegues chegaram. Cada jegue pegou seu homem e foi embora. Nenhum jegue trouxe mais seu homem para o estacionamento de Joelmir, com sua fama de endoidecimento. Joelmir agora cuida de um estacionamento de vento. Deus mandava os ventos irem no estacionamento, enquanto ele andava pelo mundo pra trabalhar. Deus está em todo lugar, por isso nunca tinha tempo para ir em Jequié.


Texto embrião de um livro inacabado, 2005.

24 de abr. de 2012

Gengiva

Então eu entrei nesse lugar onde todas as pessoas pareciam saber usar bem o fio dental e só era permitido subir ao camarote quem tinha feito clareamento nos dentes. Tentei me aproximar das garçonetes, imaginando uma pretensa identificação de classe, mas mesmo elas tinham um hálito delicioso e sabiam introduzir citações inteligentes entre a oferta de uma bebida e outra. Eu não me senti inadequado, porque não tenho a mínima ideia de qual seja a sensação de adequação. Sempre achei esse papo de 'senso de pertencimento' um psicologismo simpático para amenizar o inevitável. A boca é um cemitério pouco sagrado por onde a maioria absoluta dos desejos humanos precisam passar em algum momento. Uma espécie de Marginal, com o agravante que o desejo só aceita o odor que emana da sua própria equação. Os desejos não são paulistas acomodados que vivem, nascem e se reproduzem sem precisar sair da sua zona. Não demorou muito até que as pessoas percebessem que eu não deveria estar ali. Por mais que eu tentasse, eu não conseguia fazer um olhar perdido e me vitimizar, numa tática para alcançar alguma piedade e consequentemente um ínicio de papo. Eu estava deslumbrado com aquele desfile de sorrisos cheirosos, aquelas bocas com uma capacidade tão grande de falar, mesmo coisas completamente desinteressantes. As garçonetes já estavam apostando quanto tempo eu sobreviveria ali. Não consegui saber em quanto estava o bolão, mas eu sabia muito bem que ninguém ali ganhava menos de cinco mil reais para desfilar com bebidas, sorrisos e uma beleza, dessas de deixar qualquer produtor de casting da Califórnia de pau duro.
Eu já estava sucumbindo, quando encostei num móvel bonito, onde só quando vi o barman percebi se tratar da quina do bar. Achei que se eu pegasse o celular para checar o twitter e preencher o tempo, seria como pedir penico. Eu geralmente não sou competitivo. Só comigo mesmo. E aquele era um momento desses. Até que ouvi essa voz, que tropeçava pelas palavras quase como se não fosse necessário completar a frase para ser compreendida:
- Você também tá aqui por obrigação.
Não foi uma pergunta. Então minha reação foi um sorriso tímido e um mergulho profundo nos olhos dela. Me senti um índio pataxó com a coragem para olhar tão fundo nos olhos do outro, sem o desvio natural da vergonha e da civilidade. Ela desviou uma, duas e na terceira percebeu que já era tarde, e não dava mais tempo para voltar pra superfície.
- Você é do marketing? Da produção? Ou da agência?
Eu fui sincero. E respondi: Ainda não sei. Finalmente ela sorriu. Eu sou engraçado quando consigo uma distância de pelo menos cem metros da intenção de ser. O sorriso foi uma recarga de oxigênio no mergulho. Numa festa repleta de sorrisos odontologicamente perfeitos, o destaque foi uns dentinhos separados à la Bardot. Até que arrisquei: A minha obrigação essa noite era te encontrar.

Acordei no dia seguinte. Com ela do meu lado da cama. Não consegui esconder meu semblante assustado, quase um ato reflexo. Ela me explicou que um segurança que estava me observando, me bateu na nuca, e eu desmaiei. E que do hospital, ela tinha resolvido me trazer pra casa dela, culpada de alguma maneira pela situação. Levantei, escovei os dentes e nunca mais voltei pra casa. Esqueci por completo de toda a vida que eu tinha tido até então.

Nos casamos, eu me tornei um dentista renomado e o resto é pura invenção.

26 de fev. de 2012

Sono e saúde

Meu sono nunca me lembrou saúde. Ele esta profundamente conectado com depressão. Eu durmo muito quando não quero viver. Por isso, quando fico um ou dois dias sem dormir, significa que venci uma pequena batalha nessa guerra. Dormir pouco é uma luta pela vida. O melhor sono será sempre o que não precisou existir. O segundo melhor é aquele que quase não percebo - pelo cansaço do corpo, da alma. Raramente tenho esse.

11 de fev. de 2012

Momento melhor

O que me surpreende é que, há qualquer momento eu poderia ter morrido. Poderia ter tropeçado, ter tido uma dessas doenças estranhas, ter sido atropelado - quantas vezes atravessei a rua sem atenção, poderia ter levado um tiro naquele carnaval. Mas não. E justamente agora, quando finalmente consigo contar-te algo que desperta seu sorriso, chega a minha hora. Eu não poderia imaginar um momento melhor.

5 de fev. de 2012

"Eu quero viver na sua memória. Qualquer coisa que eu fizer, mesmo que completamente equivocada, tem apenas esse objetivo. Eu já caminhei bastante, já vivi algumas coisas, já conheci umas pessoas. Nenhum lugar, nenhum, me deixou mais pleno do que dentro das lembranças que você tem de mim. E eu sei que quando você começar a esquecer alguns detalhes, sua imaginação vai ajudar." 

Um dia, mais um dia, aquele dia, todo dia.

4 de fev. de 2012

Rasgo

Ela sabe que pode. Mas não pode o que sabe. Ela me olha com tesão. Ela diz não jogar. Ela avisa que vai gozar com certa angústia. Mas o jogo diz muito sobre ela. O tesão, quando adulto, gosta de ouvir mais do que de enxergar. Não existe casualidade no sexo e por isso inventaram o sexo casual. É fácil desejá-la. Ela inventa regras para um jogo que ainda não existe. E por isso, repete, que não joga. Eu não sei o fácil, e essa é minha maior cicatriz. Ela gosta de cicatrizes. Um pouco antes do segundo orgasmo, imaginei que meu pau fosse a minha maior cicatriz. E talvez seja. Ela quer o melhor poema, não o livro inteiro. Insiste no refrão, com medo de que a melodia cresça e queira ser trilha sonora. De uma vida que não há espaço para o movimento entre um prazer e o outro. A felicidade não é um lugar, e também não é um instante. É um movimento, que conecta. Seu corpo é menos do que ela diz e mais do que ela realmente acha. Para se livrar desse impasse, ela sabiamente usa a boca. Para dizer, para silenciar e para o infinito que cabe entre esses dois mundos. Ela prefere me ter na memória, do que no risco do compromisso. Mas a memória é amante da imaginação, e pode te trair mesmo permanecendo fiel. Para fazer sexo, basta ter um pau ou uma buceta. E ela sabia disso, e mesmo com receio, ela não queria apenas fazer sexo. Mesmo que sexo nunca seja apenas. Esse é um texto longo, eu disse. Ela arrancou a primeira página e foi embora com alguns orgasmos, um cheiro suave de sexo e o medo de si mesma. Todo amor termina com um rasgo. Nem que seja o da morte. Eu a amei porque seu medo me alimentava. Mas, apesar de um delicioso jantar, não era o suficiente para o café-da-manhã. Eu sofro porque acreditei. Mas já faz muito tempo que o sofrimento não é gasolina suficiente para essa ignição.

9 de jan. de 2012

Aqueles olhos fundos, quando a cor da retina fica úmida, aquele olhar que não deveria ser descrito, mas aqui estamos nesse erro. Ninguém fica melhor depois do sofrimento. E toda a bibliografia que melhora a humanidade, talvez a torne menos úmida. A gente só continua, se movimenta. Vai pra frente, dando vazão ao instinto de progresso que permanece. Ou dá voltas, sucumbindo ao ritmo próprio da vida - esse fenômeno da repetição. Ou enterra-se, sendo fiel ao inevitável movimento, mas por dentro.
Apertei seu ombro, como quem pressiona o botão REC do gravador mais high-tech que pode existir.

- Eu era legal, mas aí, aconteceu isso.

5 de jan. de 2012

Enquanto preparavam a cicuta, aprendia Sócrates uma canção na flauta. “Para que te servirás?"- perguntaram. “Para sabê-la antes de morrer", respondeu.