23 de out. de 2010

Uma casinha na Vila Anglo

Eu queria começar esse texto como se estivesse começando uma vida. Mentira. Eu queria começar esse dia como quem começa um texto. Com uma idéia do que pode ser. Uma semente. E mergulhar na própria semente, como se fosse possível sentir o prazer da colheita no próprio semear. Hoje é um dia comum, mas diferente de todos os outros. Estou aqui sentado numa casa nova, ouvindo o zumbido da geladeira. Talvez pela falta de móveis, talvez pela geografia íntima da casa, que faz a cozinha o coração da casa, o fato é que o zumbido da geladeira se espalha com facilidade. E subitamente, o barulho para. Pois é intermitente. E dá espaço para o som dos passarinhos que estavam ainda num canto sonolento de quem acaba de acordar.

Essa é uma descrição sem muito charme do que se apresenta nesse instante. Diante dos meus olhos, no ritmo pacato da minha respiração. O que me motivou a escrita não foi nenhuma idéia. Quando não há semente disponível, ainda há um movimento possível. Levanto, passeio e volto.
Agora eu moro numa casa em que posso passear dentro dela. Eu vou na sala com a esperança de me surpreender de mim. Ou voltar com algo novo na cabeça. Eu trouxe meus joelhos para acompanharem com isenção tudo aquilo que minhas pernas tem passado. Mas a isenção é uma falsidade complacente. O joelho foi o meu parente que mais gostou da nova casa. Ao tentar explicar para o resto da família, ele apenas diz: Só sabe quem sente.