23 de nov. de 2009

A língua da vida

Há tantas possibilidades na cabeça, ou então, muitos redemoinhos e atalhos para se percorrer um mesmo caminho. Assim, ainda que com tormento e pensamentos machucados, vamos enganando.
Mas nesta vida existe um companheiro - que muito ignorante fala apenas seu próprio e fulgaz dialeto. Quando o corpo fala não há razão capaz nem sentimento possível. Apenas escute, da maneira que vier. O corpo grita delicadamente a língua da vida - sem traduções desmedidas nem interpretações vagantes.

Meu corpo falou.

17 de nov. de 2009

Queria te dizer


"Tudo passa. Na vida, tudo passa. Mas nem tudo que passa, a gente esquece."

Chico Pedrosa
Foto de Tiago Lima.

Dança e doença

O genial Ken Robinson, estudioso da educação e da criatividade conta uma história que não sai da minha cabeça. Uma conversa que teve com Gillian Lynne, autora de "Cats" e "O Fantasma da Ópera", entre outras.

"Como você se tornou uma dançarina? E ela respondeu que foi interessante, quando ela estava na escola, sem esperanças, a escola escreveu para seus pais dizendo 'Achamos que sua filha tem algum tipo de distúrbio de aprendizagem'. Ela era muito inquieta. Então a mandaram para um especialista. Ela foi com sua mãe, ela ficou sentada num canto, sentada sobre as mãos, por uns 20 minutos, enquanto o especialista conversava com sua mãe. No final, ele disse: 'Gillian, eu ouvi todas as coisas que sua mãe me contou, e agora eu preciso conversar a sós com ela. Espere aqui e já voltamos.' Enquanto ele saia, ele aproveitou e ligou o rádio. Eles saíram da sala, e ele pediu para a mãe apenas escutar e observá-la. Ela estava de pé se movendo com a música. Eles observaram por alguns minutos e o médico falou: 'sua filha não está doente, ela é uma dançarina. Leve-a para uma escola de dança.' E a mãe a levou. Gillian disse que não consegue descrever quão maravilhoso aquilo foi. 'Nós entramos naquela sala e estava cheia de pessoas como eu. Pessoas que não conseguiam ficar paradas. Pessoas que precisavam se mexer para pensar.'
Ela fez diversos cursos, se formou no Royal Ballet, tornou-se uma renomada profissional, fundou sua própria companhia de dança, foi responsável por alguns dos musicais mais importantes da história e é uma multimilionária.

Outra pessoa poderia ter lhe receitado alguns medicamentos e ter dito para ela se acalmar."

Descobri aqui.

15 de nov. de 2009

Meu jovem

"Nesses tempos, meu jovem, o mais díficil é fazer as pessoas se encontrarem, se abrirem, expressarem seus sentimentos, se permitirem." Achei bobo, não gosto desses pensamentos que começam diagnosticando o tempo presente. Não há ninguém com suficiente qualificação para tal radiograma, tão amplo, tão complexo. Ele não gostou de ser contrariado, mas ficou surpreso, acho que no fundo ele gostou do meu argumento. E concordou depois de alguns instantes. "Você é esperto, meu jovem. Então vou te dizer: desde os tempos das cavernas, essa história de se relacionar tem sido um tormento, uma profunda dificuldade, que nos move e nos derruba, faz a vida se encher de sentido e ao mesmo tempo é capaz de roubar qualquer sentido que você tenha encontrado. Eu sei disso, não precisa vir com esse olhar de jovem solitário." A solidão é subestimada, eu disse baixinho, quase querendo que ele não tivesse ouvido. Mas ouviu. Justifiquei dizendo que tinha acabado de assistir um filme com essa frase. Ele continuou. "O que estou tentando te contar é simples: tenha muito cuidado com essa parafernalha que diz conectar as pessoas. Existe uma parte essencial que jamais a tecnologia, esse teu celular, esse tal de "tuiti" - falou com um tom obviamente debochado de quem sabia a pronúncia correta - vai dar conta. É só isso que estou dizendo. Tome cuidado. A sua palavra tem que ter verdade e sentimento em qualquer lugar. Seja na sua boca ou numa tela de computador."

Faz tempo que não consigo mais escrever as coisas que sinto. Já culpei a falta de tempo, o stress do trabalho, algum desconforto aqui e ali. Mas a verdade é que não sei. Antes, não saber era motivo suficiente para escrever, expressar, rabiscar, fazer um filme do olhar que me insiste.

Aquele senhor não deveria ter mais do que sessenta anos. Ele levantou, apertou minha mão firme e ao mesmo tempo com a delicadeza de quem sabe das coisas. Acabei lembrando do meu avô. Fazia tempo que não tinha uma lembrança tão forte dele. O senhor se despediu dizendo:

- A cada dez vezes que você tiver com medo, com vontade de ficar dentro do seu apartamento, sem sair da cama, sem conseguir dormir incomodado com algo que você não se sente capaz de mudar...a cada dez, tome uma decisão, mude algo, saia do apartamento, fale o que você sente. É uma boa média. Se cuide, meu jovem.

1 de nov. de 2009

A mulher sem importância

A intuição faz sua sabedoria parecer apenas um charme. Ela entrou com aquele olhar que dificilmente consegue ser esquecido. Foi simpática da maneira mais inesperada e com as pessoas mais inusitadas. Escutou alguns minutos - ou segundos, instantes, horas, quando ela está no ambiente o tempo exala um outro suor - e mostrou como movimentos despretenciosos podem ser cruelmente mais efetivos do que qualquer glamour arrogante e ligeiramente feminino. Ela observou o tempo suficiente para fazer o elogio certo.

"Adoro esse seu jeito de contar histórias."

A mulher sem importância saiu para preencher o espaço vazio que acabara de inaugurar. Em mim.