29 de abr. de 2008

25 de abr. de 2008

individualidade, desamparo, falácias contemporâneas

"Amor é o que sentimos por quem atenua nossa sensação de desamparo"

Folha - O individualismo tem uma conotação pejorativa. Por que valorizá-lo?
GIKOVATE - Individualismo não é egoísmo. O egoísta gosta de turma, porque é aí que encontra um generoso para "mamar na teta". O generoso também não é individualista porque tem a necessidade de dar. O individualismo resolve o dilema entre o egoísmo e a generosidade: é eu me entender como uma unidade e, se eu me sentir desamparado, resolver isso por mim mesmo, e não por meio do outro. Isso não significa não me relacionar, mas o outro deve ser escolhido por afinidade intelectual, como os amigos.

Folha - Se esse encontro não ocorre, é possível ser feliz sozinho?
GIKOVATE - Meu livro tem dois finais: um é ficar sozinho; outro, bem-acompanhado. Ambos representam a vitória da individualidade. Posso jogar tênis sozinho ou em dupla. O que não posso é jogar com um parceiro desleal, ciumento e que queira mandar em mim.Ninguém aceitará gente querendo mandar. Isso não é ser egoísta. O egoísmo se caracteriza pela intolerância à frustração. O independente resolve agüentar suas dores. Além disso, hoje, o mundo é mais favorável a pessoas sozinhas.

Folha - Como o sexo ocorre nesse amor que parece amizade?
GIKOVATE - Isso é um problema porque, em nossa cultura, o sexo vai melhor quando há briga. As pessoas gostam mais de transar com inimigos do que com amigos. Isso mostra como precisamos avançar no entendimento da questão sexual. Ainda é preciso inventar um erotismo que não seja comprometido com vulgaridade e violência. Para superar isso, é preciso ser criativo e entender que as leis da atração sexual não são as mesmas das relações afetivas de boa qualidade. Na hora do sexo, talvez seja necessário mudar o canal, no qual o outro tem de deixar de ser o parceiro sentimental para ser um outro. É assim que os casais que se amam de verdade descobrem estratégias para que o sexo flua.

- Entrevista completa aqui.

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Uma História de Amor... com Final Feliz
Flávio Gikovate

6 de abr. de 2008

impasses

Porque falar de amor é falar de todos os assuntos realmente relevantes. My blueberry nights é bonito e simples, um punhado de diálogos delicadamente costurados nesse estranho tecido das relações. Não sabemos perder. Não sabemos nos perder. Insistimos numa ilusória eternidade por pura covardia de compreender-nos melhor, o tempo, a vida, o outro. Ninguém é capaz de sobreviver sem matar. Escolhas são pequenos assassinatos no cotidiano. Displicente, carregamos nosso próprio cemitério de impasses. Como é possível suportar dizer adeus para alguém que você até pouco tempo nem conseguia imaginar viver sem? Norah Jones pergunta no filme. Não sei. Mas sei que não dá para ficar nesse eterno movimento de atualização de velórios. Se não há como aprender a morrer, que surja mais sabedoria para matar. Porque a vida pede passagem. Wong kar wai é um Vinicius de Moraes oriental que decidiu fazer filmes ao invés de música. Que seja eterno, enquanto dure. E que seja terno, como sugere Otis Redding na trilha do filme.

"(...)
now it might be a little bit sentimental no
but she has her greavs and care
but the soft words they are spoke so gentle
yeah yeah yeah
and it makes it easier to bear
oh she wont regret it
no no
them young girls they dont forget it
love is their whole happiness
yeah yeha yeah
but its all so easy
all you got to do is try
try a little tenderness
(...)"

Otis Redding é um chute impiedoso. Maravilhosamente impiedoso.

4 de abr. de 2008

cuidado

O caráter jamais foi uma herança simples. Naquele inventário sentimental, todos contorceram-se em suas cadeiras. O olhar é sempre mais gordo na ausência. Reclamações na beira da boca, aos mais respeitosos. Disponho aqui de toda a crueldade necessária para ser homem. Eu nunca aprendi a cuidar de ninguém. Nunca. Não há qualquer jogatina semântica nessa frase. Cuidar requer qualquer tipo de trato, de jeito, de traquejo, de disposição: não posso dizer porque simplesmente não sei. Observo de longe, com curiosidade, poucas vezes, admito, com admiração. Porque não admiro o que acredito que não posso alcançar. Isso não é astúcia metáforica. É simples. Apesar do meu desconhecimento. Se não há destinos marcados ou coincidências cósmicas, também não é certo que temos verdadeiro controle sobre essa trajetória. A minha. A sua. Não creio mais em humildade, existe sim um desconhecimento da envergadura dos seus passos. Seja por falta de oportunidades, por covardia. Agora isso não me interessa. Lembro que ganhei um pintinho numa feira de animais. Eu jamais poderia imaginar quão significativo aquele ser amarelo poderia representar. Em nenhum devaneio egocêntrico, jamais quis que minha vida fosse um livro ou virasse um filme. Mas gostaria de ter algo dela numa música. E aquele pintinho amarelo seria o refrão. Seria meu eterno retorno. Seria o flashback que vai se atualizando com desenvoltura melódica. Talvez não fosse tão pop. Mas teria um refrão. Ainda que fosse trocando as palavras-chaves, o ritmo dos versos continuaria intacto. Porque eu não consegui cuidar daquele pintinho. Mas veja bem: isso aqui não é um burburinho de autocomiseração. Eu não soube cuidar daquele pintinho porque ele era vivo. Porque ele corria. Porque ele era amarelo. Eu não sei o porquê, esse é o fato. É simples, apesar de todas as consequências desastrosas que isso carrega. Eu fugi do pintinho. Aos 5 anos eu corri assustadissimo. Eu tinha medo daquilo. E não tinha a menor consciência. Não tive culpa nenhuma. O pintinho só surgiu ali para que a música viesse a ganhar uma metáfora bonita. Aquilo não foi uma premonição, foi apenas um pintinho correndo atrás de mim. E eu tive medo. E o fato é que, descreio em coincidências, eu vim me construindo na certeza do descuido, jamais na hipótese do cuidado. E não há psicologismos. Não vou revigorar velhas memórias da relação paterna. Ainda que acredite que o maior legado que minha mãe me passou foi a independência. Também não vou revisitar esses espaços tão pouco fertéis. E só, mesmo com toda potência afetiva, eu sou eminentemente só. E não há qualquer ressalva ou vitimização. Em fato, eu não consegui inventar outra alternativa. E cada um precisa construir seu próprio chão. Eu era sim aquele que jogava bola na quadra a tarde inteira, e os colegas queriam no time. Mas eu era também aquele que passava horas sozinho, gerenciando minha orquestra de playmobils. Se não sei cuidar, inclui-se o óbvio fato: eu não sei me cuidar. E não posso acreditar que cuidado é a única expressão de carinho. Meu afeto é rizomático e encontra vertentes variáveis para fluir. Se não te cuidei, seja uma mãe distante, uma ex-namorada errante, um amigo hesitante, foi porque não sei - e mais do que isso, como não consigo sentir falta de me cuidar, ainda é díficil pra mim conceber a falta que isso faz ao outro. Não há fatalismos. Eu não sou mais o menino que correu do pintinho amarelo. E tampouco serei, quando morrer, igual a esse que está a escrever nesse momento. E o mais estranho: o que me motivou a escrever isso aqui, foi ter visto em algum lugar que a enfermagem é "a arte de cuidar e também uma ciência cuja essência e especificidade é o cuidado ao ser humano". Cuidar é uma arte. E arte, do latim, é uma habilidade, uma técnica. Não há como sustentar um vínculo sem o cuidado. Eu me reinvento no susto e no tento. Um velho me lembraria o tempo. E ele vai mostrando a insustentabilidade de certos comportamentos - puro requinte de sobrevivência. O fato é que sou um velho também. Eu devorei meu avô. Nem uma mordida. Mas ele está aqui. E se eu tivesse um útero, afirmaria sem problemas que estou grávido dele. Meu avô também não era muito bom nessa arte de cuidar. Mas era genial nas maneiras como fazia para ir demonstrando o afeto. Era tão espontâneo, que mesmo que tenha me faltado um verdadeiro abraço apertado ou um carinho mais demorado no rosto, seu olhar me trouxe até aqui. E sendo velho, tenho menos sabedoria e muito cansaço. Minha felicidade é sempre para chegar ao próximo ano. Não consigo carregar minha felicidade para daqui há dez anos. E é simples. Mas não vivemos numa epóca onde o que é simples é fácil. Muito pelo contrário. Ao cuidar de quem amo, fico intacto, não há melhor jeito de me cuidar. Vai até num esbarrão. Cuidar é dedicar, dispor, permitir, intuo. Não sei, só intuo. Não será fácil. Mais uma arte. É minha possibilidade de vida, não um talento ou escolha.

Meu avô não me faz mais falta. Descobri isso hoje. Me faz presença.

surpresa

"Sempre me surpreendo como duas pessoas passam, de uma hora para outra, do amor incondicional pro vazio absoluto"

Julie Delpy, no filme Dois dias em Paris

1 de abr. de 2008

grande e duro

"No mundo atual está se investindo cinco vezes mais em remédios para virilidade masculina e silicone para mulheres do que na cura do Mal de Alzheimer. Daqui a alguns anos, teremos velhas de seios grandes e velhos de pinto duro, mas eles não se lembrarão para que servem."

Dráuzio Varella