25 de jul. de 2007

aberto!

Então ouço esse tal de relacionamento aberto. Vejo a trajetória previsível desses personagens tão caretas em sua pós-modernidade frenética. Aparentam uma certa felicidade - logo corrijo-me, vejo que esse sorriso carrega um desejo de estar feliz, uma vontade de convencer o lado de fora primeiro, na ilusão do lado interno acabar felicitando-se por tabela. Gosto de observar, são sempre tão bonitos, deixam nos corpos toda sua abertura ao mundo: a liberdade do relacionamento porém concentra-se apenas no sexo. O feitiche e a fantasia sexual, em sua plenitude errante, tornam-se os pilares desse matrimônio sem paredes. No corpo, com bastante esforço, buscam dissolver a angústia fundamental da vida a dois no suor do sexo nômade. Ah, como é bom a liberdade. Ouvi uma dizer, tão bonita a coitada. Liberdade pra ela é apenas transar com quem quiser.

Meu relacionamento também é aberto. Só que é aberto pra dentro.

primeiro instante

Este é um homem pequeno, que demora para escolher uma camisa que não chame muito a atenção, mas que tenha um certo combinar com a calça. Ele cria critérios estranhos para esse combinar - se a calça é aquele jeans presenteado ainda na epóca em que seu armário era uma simbiose entre as possibilidades financeiras de sua mãe e o seu desejo rebeldezinho, então seria necessário uma camisa com cores familiares, com alguma textura esperançosa, tanto para balancear com a rebeldia adolescente da calça, quanto para reconectar-se com sua juventude, sua família, criar um contexto de memória da sua saudosa mãe. Este é um homem pequeno e muito próprio dos outros dessa estatura, não sabe lidar com graça a esse tipo de composição do biotipo. Obviamente ele sabe três ou quatro boas piadas que fazem alusão a possíveis virtudes dos homens pequenos em relação aos demais. E ele tem boa sabedoria para fazer bom uso dessas poucas piadas de modo a não esgarçá-las. Mas, em resumo, isso é uma questão fundante em sua auto-estima. E o torna um homem incomodado. Ao tomar consciência de sua situação de 'incomodada em relação ao mundo', tentou num primeiro momento se engajar a alguns movimentos sociais, três partidos políticos (um de extrema esquerda, outro meia-esquerda e o último era quase um gândula das ideologias), participou de alguns fóruns, grupos de estudo, sites, etc. e chegou a escrever num blog onde ficava dando referências sobre contracultura. Alguns anos depois percebeu, não com pouco custo, desolação e desespero, que em fato ele se tratava de uma espécie diferenciada de homem incomodado. Ele simplesmente era incomodado. Parece díficil explicar isso, como alguém pode ser simplesmente incomodado, então eu não vou usar nenhuma outra ilusão semântica ou metáfora, mas apenas citar situações. Não pelo didatismo, mas para encurtar esse relato. E provavelmente, você reconhecerá facilmente esse tipo. Correndo o risco desse reconhecimento referir-se exatamente a este homem que relato, pois não se tem ciência de um número muito grande desses. No cinema, ele é aquele sujeito que faz cara feia para qualquer barulho: o mastigar da pipoca, o canudo da coca-cola, o abrir daquele pacote de mm's. Com algumas variáveis, além da cara feia, ele pode vir a balbuciar reclamações, e a depender da disposição em que ele se encontre, até um grito anônimo pedindo silêncio é possível. No show de música, ele é aquele sujeito que reclama das pessoas animadas que cantam (com muita animação mas normalmente pouca afinação) e acabam impedindo que ele escute a pureza da voz do artista no palco. Dependendo da sua disposição, caso preserve algum anonimato, ele costuma soltar frases como "eu paguei para ouvir a bethânia", ou "ele não precisa de backing vocal". No restaurante, ele costuma fazer pedidos repletos de exceções e especificidades fora do usual ou do cardápio, e conseqüentemente fica insandecido quando qualquer uma de suas exigências não são atendidas, por esquecimento ou inviabilidade. Existem outras situações, só que mais íntimas, que deixarei para relatar num outro momento. Nesse primeiro instante, esse relato propõe-se apenas a constatar este homem pequeno, colecionando um pouco dos seus tropeços, no intuito de conseguirmos em algum momento, uma maior compreensão sobre sua trajetória.

Cordialmente,
Outro pequeno homem.

19 de jul. de 2007

trecho para um dia futuro

O mais provisório dos homens respirou fundo, deixou o ar chegar até suas periferias mais íntimas, e levantou-se com um semblante repleto de lucidez. Saiu de casa, nem bateu a porta, desfazendo-se do abandono repousado no quarto. Encontrei por acaso esse homem escondido na provisoriedade da sua situação. O mais provisório dos homens tornava permanente seu desejo do próximo dia, do próximo abraço, da próxima possibilidade de vida.

15 de jul. de 2007

qualquer coisa

Triste, escrevo pra fora. Feliz, escrevo pra dentro. Na solidão, eu me atormento. No amor, meu desassossego ganha o mundo.

14 de jul. de 2007

Fabrincando Tom Zé

Tom Zé só é Tom Zé por causa da sua companheira, a Neusa. O pouso do gênio do analfabetismo criativo. Impressionante.

O desassossego na cabeceira da cama

"Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender. Este livro é a minha cobardia."

- Trecho 152, Livro do Desassossego, F. Pessoa.

10 de jul. de 2007

Eu fui a Andara e nunca voltei

"Há muito o que se conhecer na literatura contemporânea. Nem preciso desenterrar os clássicos. Existem clássicos vivos e inacabados. O paraense Vicente Franz Cecim é um deles. Caso não tenha ouvido falar sequer uma vez deste autor, desde já o invejo. Sinto ciúme porque bem que gostaria de lê-lo como se nunca houvesse o lido, guardar o mistério fundador, o impacto da primeira viagem. Cecim foge dos esquadros, escolas literárias e questões de vestibular, gerando seus antecessores no futuro. Ele se retira do livro para o leitor ficar à vontade. Instaurou a literatura fantasma, aquela que não morre porque sempre está se reinventando. Seu livro é invisível e os personagens assistem ao relato."

Fabrício Carpinejar

4 de jul. de 2007

vida a fantasia

E se tudo isso for uma grande fantasia que inventaram para me caber, eu digo: morro mais uma vez, mas morro pleno: nunca fui tão feliz numa festa a fantasia.

2 de jul. de 2007

dois meninos da paraíba

Quando um pai morre, não morre um homem: morre uma paternidade. É como se o corpo representasse uma entidade de pai, um corpo de semear.
Um pai nunca é enterrado, ele é plantado. Desimporta qual espécie de pai seja. Quando se planta um pai na terra, ironiza-se a trajetória da própria natureza: tornou-se semente depois de já ter árvore plantada. Sorridente, a mulher do jardim abraçou a árvore órfã com orgulho estranho: é como se ao plantar o pai, ela tivesse qualquer mérito pela filha colhida. Eu, que de tudo que nunca vi, guardo um pouco, não fui homem de achar defeito, também dei um só-riso de volta. Por essas, e nem digo também por outras, fico gestando algumas palavras sobre esse desacontecimento. Gosto quando sinto verbos revirando meu âmago, mas não é fácil lidar com uma dor de barriga que vira dor de alma. Pra acalmar, dou uma respiradinha. E pulo na árvore órfã para fazer um balanço de ir-e-devir.

E o menino de Sumé alcançava a risada daquele pai plantado cada vez que o balanço "caía no céu". A natureza outra vez dá risada: Um menino de Sumé vai, pro outro voar.

Faço de verdade que na Paraíba quem não é poeta, nem homem é. Quando me faltar lugar aqui, já sei pr'onde ir.