25 de abr. de 2007

no princípio era o verbo

Agarra-te a palavra com respeito e plentiude: mesmo no desespero do silêncio estarás protegido pela possibilidade da linguagem.

O nome dele é Tião.

14 de abr. de 2007

prenúncio

coletando desvios, uma frase escrita no muro de uma banca de revista:

- "os antidepressivos irão parar de funcionar."

13 de abr. de 2007

não é derrota

Uma pequena multidão insana movimenta os braços em sinal de reverência, a mão direita subindo e descendo na identificação do refrão. Talvez a maioria daquelas pessoas ali não tenham ao certo dimensão da importância daquele acontecimento ou ainda, consciência plena daquele refrão. Ou, tenham, mas ainda não sabem o que fazer com isso tudo. Sem mitificações ou demagogia, essa é a realidade. Mas o fato é que aconteceu, e acontece, na cidade de São Paulo, uma tonta e agitada revolução poética vinda das periferias e favelas, do grito de uma juventude eminentemente negra e pobre. Enquanto minhas decepções pequeno-burguesas reproduzem-se, ainda permito-me observar essa cidade com a paixão inabalável que me mantém vivo, firme e forte. O personagem da vez é conhecido por Criolo Doido. Da primeira vez que o encontrei, desentendi por completo o sobrenome. Sujeito de conversa fluída, cheio de associações no pensamento ágil. Ontem, quando ele pegou o microfone, entendi. Ele roubou a cena, assaltou a mesmice dos meus ouvidos e fez minha consciência refém por alguns minutos. Criolo é insano, mas é lírico. Descontrolado, mas repleto de rimas precisas, contundentes, certeiras. Ninguém sai ileso. Dos arranhões até as feridas que nunca cicatrizam, estava ali na frente a poesia contestadora da nossa geração. Saberia ele próprio quão afiadas eram aquelas palavras que saiam de sua boca? E a pequena multidão repetia o refrão, o movimento em reverência criava uma energia emocionante.
É o teste
É a febre
É a glória
Não se corromper
Pra nós, já é vitória
É o teste
É a febre
É a glória
Procure ser feliz
Pobreza não é derrota
Os pensadores ecassílabos e os críticos musicais marxistas cospem a influência americana no rap como um desvio de caráter. Quanta ignorância mal digerida. Só a bossa nova branca pode "beber" de fonte gringa? Nos versos do Criolo está uma perspicaz descontrução do estereótipo capitalista que divide-nos entre "winners" e "losers". Vencer na vida é enriquecer (A qual preço?). Criolo cria um hino da resistência periférica - e está lá, batalhando, criando e abraçando as oportunidades no cenário musical, e é essa sua plenitude. Ao invés de uma demagógica ode a pobreza e suas "virtudes", ele simplesmente honra sua raiz, compartilhando dignidade - peróla rara para todos ali presentes - com aqueles jovens que se identificam nessa luta. Levanta assim o "teste" essencial para uma nova possibilidade de ser e estar nessa sociedade, nesse mundo. Na loucura, a metralhadora não se aquieta. "Pau no cú dos comédia", gritava ele.
Nós somos possíveis e nada está perdido. Até porque, pobreza não é derrota, e ainda tem muitas batalhas para a nossa criatividade vencer. Um pouquinho de lucidez para dar passos firmes ao caminho doido, do Criolo.
Para Pedro Gomes,
com o meu pedido para me abrir novas portas nesse mundo do rap.

1 de abr. de 2007

anotações

Iniciei o processo de edição do making-of do documentário "procura-se janaína" da psicanalista e cineasta Miriam Chnaiderman, selecionado pelo Rumos do Itaú Cultural. Trabalhar com prazer e receber honestamente por isso dignifica o homem. Espero que dê tudo certo.

E eu aqui, em meio a um making-of de mim.

Cumplicidade

A pinga pede o corpo
que pede o chão
que pede o corpo
que pede a pinga
se o corpo cai
equilibra a pinga
que o chão evita
que se derrame
que a pinga prende
o corpo ao chão
que se levantar
evita a pinga
que pede o corpo
que pede o chão
que pede a pinga
e se reerguer o mendigo
a indústria da miséria entra em falência
porque a pinga gera impostos
porque o corpo que bebe
caindo ao chão não incomoda.

De Tião Nicomedes.